David Vinicius do Nascimento Maranhão
Os crimes contra a dignidade sexual figuram entre os temas mais sensíveis e complexos do Direito Penal, exigindo do advogado criminalista não somente profundo conhecimento técnico, mas também atuação ética e sensível. Esses crimes geram forte repercussão social, aumentando a responsabilidade dos profissionais envolvidos na condução processual.
Diante da gravidade e da delicadeza desses casos, a defesa deve ser estruturada com observância rigorosa aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência, garantindo que o processo penal se desenvolva de maneira justa e equilibrada. A seguir, abordaremos os principais aspectos legais do crime de estupro e, em especial, do estupro de vulnerável, além de estratégias eficazes para a atuação da defesa.
O Código Penal brasileiro prevê duas modalidades principais de estupro:
Estupro mediante violência ou grave ameaça (artigo 213 do Código Penal);
Estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal).
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
O agente ativo pode ser qualquer pessoa, assim como o sujeito passivo. Trata-se de crime comum, que se consuma com a prática do ato libidinoso, sendo possível também a forma tentada. É indispensável a presença de dolo, ou seja, vontade consciente de realizar a conduta.
Já o estupro de vulnerável não exige a presença de violência ou grave ameaça, mas sim a condição de vulnerabilidade da vítima:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§4º Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
§5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
O artigo deixa claro que a vulnerabilidade é elemento central. Independentemente do meio utilizado ou do eventual consentimento, se a vítima se enquadrar como vulnerável, a conduta será tipificada como estupro de vulnerável.
A distinção essencial entre os dois tipos de estupro está na presença de violência ou grave ameaça.
Estupro (art. 213) → requer violência ou grave ameaça.
Estupro de vulnerável (art. 217-A) → basta a vulnerabilidade da vítima, não sendo necessário provar violência ou ameaça.
O STJ, por meio da Súmula 593, consolidou o entendimento:
"O crime de estupro de vulnerável configura-se com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente."
Portanto, a condição da vítima prevalece sobre qualquer outra circunstância, inclusive se havia namoro ou se a relação era conhecida por familiares.
O artigo 20 do Código Penal dispõe:
"O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei."
Em casos de estupro de vulnerável, o erro de tipo pode ocorrer quando o acusado, de forma justificável, acredita que a vítima tinha idade igual ou superior a 14 anos.
Por exemplo, uma jovem de 13 anos que aparenta ser maior de idade, frequenta ambientes adultos e declara idade superior pode induzir o agente a erro. Essa tese de defesa não exclui o fato, mas afasta o dolo, levando à absolvição por falta de elemento subjetivo.
Segundo David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto, advogado criminalista especializado em ciências criminais, a defesa deve ser conduzida de forma estratégica, respeitando a dignidade de todos os envolvidos.
"A defesa não visa minimizar a gravidade das alegações ou ignorar eventuais danos à vítima, mas sim assegurar que o processo se desenvolva de forma equilibrada, com respeito às garantias legais e à presunção de inocência do réu."
Em situações que envolvem adolescentes próximos em idade ou relações consentidas, é possível sustentar a atipicidade material, evitando a aplicação mecânica do tipo penal.
Principais teses defensivas:
Questionamento da legalidade das provas, com atenção à cadeia de custódia;
Análise da coerência do depoimento da vítima e produção de contraprovas;
Alegação de erro de tipo essencial, quando o acusado desconhecia a vulnerabilidade da vítima;
Atuação de assistente técnico em perícias psicológicas para formulação de quesitos e acompanhamento.
Nos julgados abaixo, os tribunais reconheceram situações que justificaram a absolvição:
APELAÇÃO CRIMINAL – Estupro de Vulnerável
"No caso concreto, o réu, então com 23 anos, manteve relacionamento com a vítima, 13 anos, por oito meses, resultando em gravidez e nascimento de uma filha. A relação foi consensual e de conhecimento público, inclusive consentido pela mãe da adolescente. Considerando as circunstâncias, afastou-se a aplicação da Súmula 593 do STJ, reconhecendo a atipicidade material." (Acórdão 1980808, 0704256-51.2020.8.07.0008, 3ª Turma Criminal, julgado em 20/03/2025, DJe 31/03/2025)
APELAÇÃO CRIMINAL – Ausência de provas
"Em crimes sexuais, a palavra da vítima tem especial relevância, desde que coerente e harmoniosa com outros elementos de convicção. Na ausência de provas robustas, aplica-se o princípio do in dubio pro reo." (Acórdão 1980805, 0710216-29.2022.8.07.0004, 3ª Turma Criminal, julgado em 20/03/2025, DJe 31/03/2025)
APELAÇÃO – Exceção “Romeu e Julieta”
"Relação consentida entre jovens de 12 e 16 anos, sem violência ou trauma psicológico, pode caracterizar erro de tipo escusável e afastar a responsabilidade penal." (Acórdão 1910408, 0703927-53.2022.8.07.0013, 3ª Turma Criminal, julgado em 22/08/2024, DJe 02/09/2024)
Esses precedentes demonstram a importância da análise do contexto social e da proporcionalidade na aplicação do Direito Penal.
Além das teses jurídicas, algumas estratégias práticas são fundamentais:
Atendimento Sensível ao Cliente Tratar o acusado e familiares com respeito e empatia, obtendo informações precisas.
Estudo Detalhado do Processo Conhecer profundamente a legislação, jurisprudência e provas.
Perguntas Estratégicas em Audiência Explorar contradições nos depoimentos e buscar inconsistências nas provas.
Análise da Sentença para Recurso Identificar erros processuais e omissões para fundamentar recursos.
Especialização do Advogado Atualização constante em cursos e eventos sobre crimes sexuais.
Colaboração Interdisciplinar Trabalhar em conjunto com peritos e investigadores privados para fortalecer a defesa.
A defesa em crimes sexuais, especialmente envolvendo menores de 14 anos, exige atuação técnica, estratégica e ética. Não se trata de negar a gravidade dos fatos, mas de garantir que a condenação somente ocorra quando houver prova sólida e robusta.
O advogado criminalista deve ser o guardião das garantias constitucionais, assegurando que o julgamento seja justo, pautado, na verdade, real e livre de preconceitos ou pressões externas.
Referências MARANHÃO, David Vinicius do Nascimento. Defesa em Crimes Sexuais contra menor de 14 anos. Recuperado em 31 de março de 2025, de Nascimento & Peixoto.
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
STJ. Súmula 593 – Estupro de vulnerável.
Revista Brasileira de Defesa Penal – Como um advogado criminalista deve atuar em acusações de estupro de vulnerável.
Publicado em: 2025-09-05
Última modificação: 2025-09-05