David Vinicius do Nascimento Maranhão
A alteração de nome e gênero de pessoas transexuais é um direito fundamental que decorre diretamente dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da livre expressão da identidade, reconhecidos pela Constituição Federal e reafirmados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.275/DF. Esse direito assegura que cada indivíduo seja identificado de acordo com sua autodeterminação de gênero, garantindo respeito à sua imagem, honra e integridade psicológica.
No entanto, mesmo após a retificação do registro civil, ainda é comum que instituições públicas e privadas, especialmente bancos e operadoras de serviços, mantenham o chamado “nome morto” em cadastros, cartões ou comunicações, gerando constrangimentos e violações reiteradas aos direitos de personalidade. O debate sobre o tema, portanto, transcende a mera questão administrativa: trata-se de assegurar o efetivo reconhecimento da identidade e a proteção contra práticas discriminatórias que negam a própria existência da pessoa.
Em um contexto em que o respeito à identidade de gênero ainda encontra resistência, decisões como a proferida pela Segunda Turma Recursal do TJDFT consolidam um importante avanço civilizatório. No Processo nº 0702496-64.2025.8.07.0017 (Acórdão 2040137), o Tribunal reconheceu que a manutenção do “nome morto” por uma instituição financeira, mesmo após repetidos pedidos de atualização cadastral, configura falha na prestação do serviço e enseja indenização por dano moral.
A consumidora havia alterado legalmente seu nome e gênero em 2022, comunicando a mudança ao banco e apresentando toda a documentação necessária. Ainda assim, a instituição persistiu em enviar notificações de compras e emitir cartões com o nome anterior, expondo a cliente a situações constrangedoras e à necessidade de justificar sua identidade diante de terceiros. Diante disso, o colegiado concluiu que o uso do nome morto constitui violação à dignidade da pessoa humana e ofende os direitos da personalidade, fundamentos expressamente protegidos pela Constituição Federal.
O Tribunal destacou que a relação entre o banco e a cliente é regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), cujo art. 14 estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços. Assim, o banco responde pelos danos causados independentemente de culpa, bastando a demonstração do defeito na prestação do serviço, no caso, a negligência em atualizar o cadastro. Trata-se, portanto, de um fortuito interno, risco inerente à própria atividade econômica, que não afasta o dever de indenizar.
Além disso, a decisão reforça a interpretação conforme a ADI 4.275/DF, na qual o STF reconheceu que o direito à identidade de gênero é manifestação direta da liberdade individual e da dignidade humana. Portanto, quando uma empresa desrespeita esse direito, a violação ultrapassa o campo contratual e ingressa na esfera constitucional, afetando a integridade psicológica e social do indivíduo.
Ao reformar a sentença de primeiro grau, o TJDFT reconheceu que o dano moral nesses casos é in re ipsa, ou seja, independe de prova do sofrimento. A simples exposição da pessoa trans ao uso de seu nome morto, especialmente por uma instituição que detém seus dados e deveria protegê-los, gera, por si só, um abalo presumido. O colegiado observou que tal conduta extrapola os meros dissabores do cotidiano, pois atinge diretamente a honra e a identidade de gênero, valores essenciais à existência humana.
O valor da indenização foi fixado em R$ 2.000,00, considerando a ausência de exposição pública, mas com reconhecimento expresso do dever de reparação. Embora modesta, a condenação representa um marco simbólico de afirmação dos direitos da população transexual e reforça o compromisso do Judiciário com a efetividade dos direitos fundamentais.
A decisão da Segunda Turma Recursal do TJDFT não se limita ao caso concreto: ela estabelece diretriz relevante para todo o mercado de consumo. O respeito ao nome social e à identidade de gênero deve ser compreendido como parte integrante da boa-fé objetiva e do dever de cuidado nas relações contratuais. Assim, bancos, planos de saúde, instituições de ensino e demais prestadores de serviço têm a obrigação de garantir que seus sistemas e comunicações estejam adequados à realidade civil dos consumidores.
Esse entendimento fortalece a proteção do consumidor e reafirma que o direito à identidade é indivisível do direito à dignidade. Negligenciar tal dever equivale a perpetuar práticas discriminatórias, as quais não encontram amparo na ordem jurídica brasileira. Ao reconhecer o dano moral por uso do nome morto, o Judiciário promove não apenas reparação individual, mas também educação institucional e social, reafirmando o compromisso com uma sociedade inclusiva e igualitária.
Decisões como essa representam o avanço concreto dos direitos fundamentais nas relações cotidianas. Elas demonstram que o direito do consumidor vai além da esfera patrimonial: alcança o respeito, a identidade e a integridade moral de cada indivíduo. O reconhecimento da indenização por uso indevido do nome morto reafirma que ninguém deve ser constrangido a explicar sua identidade para exercer seus direitos básicos.
Se você ou alguém próximo enfrenta situação semelhante, seja pela recusa de alteração de nome em cadastros, uso do nome morto em documentos ou práticas discriminatórias em bancos ou planos de saúde, é fundamental buscar orientação jurídica especializada. A equipe do escritório Nascimento & Peixoto Advogados atua com excelência na defesa dos direitos da personalidade e do consumidor, garantindo que a Justiça seja instrumento efetivo de reparação e respeito à dignidade humana. Entre em contato e agende uma consulta.
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Publicado em: 2025-10-17
Última modificação: 2025-10-17